terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"Filho de chocadeira". Era a frase que gritava em sua cabeça desde antes de abrir os olhos, que doíam profundamente. Era a ressaca, conhecida de anos.
Quando abriu, finalmente, os olhos se viu na cama em meio a um mar de plumas vermelhas da estola da noite anterior e roupas espalhadas pelo quarto todo. E nenhum sinal de mais ninguém dentro do apartamento.
A boca e a garganta secas pediam água. Levantou-se como estava, sem roupas, e caminhou até a cozinha lentamente. A sensação era de como se estivesse caminhando há horas, por léguas sem fim. Passou na sala e viu sapatos, que não conhecia. Parou alguns segundos, os observou (sem forças mesmo para se perguntar de quem seriam - só os observou) e seguiu o trajeto até a fonte de água fria mais próxima, na cozinha.
Chegando a um corredor que levava até a cozinha e até a porta de entrada do apartamento, do outro lado, a viu aberta para o corredor comum do prédio. Uma família vizinha entrava em uma porta qualquer e o avistou, nu. Todos pararam e o observaram e ele os observava de volta, sem entender o porquê da surpresa. Seguiu até a geladeira, pegou uma garrafa d'água e bebeu dali, sem copo e sem maiores cerimônias, afinal estava seco.
A sede era tamanha que mesmo bebendo a água ela parecia não o saciar. Em um impulso estranho ergueu sobre a cabeça a garrafa d'água e tomou um banho ali mesmo, na cozinha. Quando terminou a "ducha", pensou que poderia haver algo estranho consigo. Nunca agira daquela forma. E com a porta da geladeira sendo segurada, meditava sobre o que havia se passado na noite anterior para se encontrar naquele estado. Meditava.
Um som estranho começou a se tornar incômodo. Vinha da rua e, num impulso natural, voltou a cabeça para a janela mais próxima, que estava com as persianas levantada. Viu que era cedo da manhã, pois a luz era tênue, como num amanhecer.
Onde estavam todos? Onde estava seu amigo que dividia o apartamento com ele? Onde estavam seus amigos que saíram com ele para a festa?
Um súbito ânimo o tomou de assalto e, rapidamente, se encontrava em seu quarto procurando pelo celular. No entanto, não o encontrava. Procurou debaixo da cama, no armário, em gavetas, no meio das plumas vermelhas. Nada. Absolutamente nada. Foi quando reconheceu uma música: era o toque do seu aparelho. Procurava, procurava e a música insistia em tocar. Até que encontrou dentro do bolso da jaqueta, que juntamente com o celular tinha algo que se parecia com um chiclete mascado e grudento.
"Alô?"
"Oi! Finalmente você atendeu, seu seu..."
"Tudo bem, Janis? Estou acordando agora... onde vocês estão?"
"Agora? Finalmente, não é? Achei que tinha morrido!"
"Ah que exagero! Olha só! É cedo até... nem dormi muito..."
"Como assim? Não é cedo da manhã: está anoitecendo! Você estava dormindo há dois dias!"
"Oi?"
Não conseguia crer. Nunca fez isso. Bom, agora ao menos sabia como era dormir esse tempo todo. Sorrindo foi verificar na agenda do celular.
Sim. Havia dormido dois dias!
Mas algo aconteceu. Estava com roxos que não fazia ideia de onde vinham... E sapatos que não conhecia na sua sala e vizinhos que o encaravam sem absolutamente nenhum motivo!
Algo acontecia no mundo. E ele investigaria!

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