quinta-feira, 13 de novembro de 2014

sou resistente para adeuses, não que não os dê, é que espero sinceramente o retorno daqueles de que me despeço.
sei, é inocência minha pensar que todos voltarão para a minha alegria...
carrego, assim, essa profunda tristeza da profunda alegria que tive.
 - saudade.
e seguidamente choro por ter sido feliz com aqueles que já foram para longe.
me dou conta de que não sei exatamente para onde vamos, desse jeito, mas há momentos em que tudo parece tomar um rumo.
e esse rumo não fica ao norte ou ao sul, fica no futuro, nas horas, nos dias, nos anos a nossa frente...
podemos deter mínimos fragmentos de tempo: em nossa memória, em nossos olhos...
fotos para quê, se temos nossas mãos para o carinho, nossos olhos para as lágrimas, nosso corpo para o abraço?
talvez resista às despedidas porque retenho sempre a figura dos que amo, aqui, presentes entre as minhas coisas cotidianas...
a presença dos meus ausentes e de quem fui.

quinta-feira, 27 de março de 2014

nos afogamos em beijos junto com o sol que se afogava na água do rio
doendo o corpo, fim do dia doído
de tanto amar a Terra,
e os beijos e as carícias quentes.

estrepitoso, o silêncio ofegava,
e o sol nos deixava sozinhos, no escuro,
entre nossos peitos o vazio, sem luz,
e as bocas unidas vorazmente.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

sob condição

amar sob condição não é amar.
ter amor àquele que nos é útil não é ter amor.
amar pessoas esperando que elas sejam perfeitas não é amar.
amor a uma idéia de pessoa não é amor.
amar a beleza de alguém não é amar.
confundir amor com altruísmo é não saber o que é amor.
amar porque é da mesma religião não é amar.
supor que o amor é apenas sexo é não saber o que é o amor.
amar uma parte não é amar a verdade.
amor não tem direção, não mira o alvo, não deseja ser sentido por um alguém determinado, acabado, polido e perfeito.
amar não é ter piedade, não é compaixão, não é amar o sujeito ideal.
esse sentimento é mais, é além.
amor é amor pela realidade - nua e crua - pelo que a pessoa é.
amar é ver o outro e aceitar profundamente tudo o que há de bom e o que há de "ruim", simplesmente porque é um sentimento tão grande que todo os "adereços" não importam.
não se tem amor pela metade: ou é amor ou não é. não há amor por alguém que é negro, se não se ama a cor escura juntamente com a pessoa. não se ama um homossexual se junto com esse amor não vem a aceitação. não se ama alguém feio se não aceitar sua feiura. não se ama um baixinho, se não se amar sua pouca estatura. não se ama o outro sem aceitá-lo e amá-lo por inteiro.
amar pela metade não é amar.
amor sob condição não é amor.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

serra do esquecimento

todas as disformias do espírito se ajuntavam na tardinha... como um ciciar de cigarras que começava de leve, baixinho, e ia ficando estridente, estridulando pensamentos agudos, desesperos sem-fim, revoluções...
e numa tarde quente de verão, abafada e cheia de vapores, notou o sol caindo por entre nuvens finas, que se manchavam de cor de ouro: lembra de ter subido daquela direção, inquieto, a procura das riquezas, das pedras que se alojavam no seio daquelas outras duras e empinadas...
fazia tempo e não havia encontrado nada, nem riqueza, nem pedras raras, nem ouro... mas ficara por ali, naquela cidade. 
tinha encontrado, se é que podia dizer dessa forma, alguém com que compartilhar a sua pobreza, ou antes, o seu desencontro... não sabia bem como aconteceu: se achou ou foi achado; apenas que aconteceu num sem fim de tempo, que todo somado foi dar no dia de hoje (quando já ama).
uma noite quente, logo quando veio de uma planície em que procurava raridades, encontrou uma de outro tipo que não esperava. em um posto velho de beira de estrada... foi só a olhar para esquecer todo o resto da vida de antes... mas veio junto o medo, galopando num sorriso, montado no vento fino e quente que soprava...
"mais?" sim, mais "água". a noite quente levantava os desejos, aquecia a carne. mas ela tinha um ar de anjo... mas, foi mais um "mais?" e ela já era imaginada como um pequeno diabinho, que sorrindo, brincava com o sentimento do caboclo. 
"o que fazer?"
...
olhava e sorria, como saudando os horizontes que tinham o empurrado até ali... sentiu cócegas na cintura descoberta: era uma mão leve e anunciava um abraço firme e um beijo na nuca...
era difícil imaginar a vida sem essa riqueza: todas as outras ficaram desimportantes. a alma só pediu o beijo, só pediu entendimento...
coçando a barba do queixo, virou-se "vamos pro poente? às vezes tenho saudade de ver o que era antes..."

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

começava como num surto
desciam às mãos palavras
corriam rios de memórias
e afundavam a boca em beijos eternos...
onde andavam os lábios, além de na saudade?
enfileirava idéias como soldados em formação
e elas avançavam papel a fora,
deitavam à terra os corpos dos amados,
matavam os corações,
estraçalhavam os semblantes,
cavavam trincheiras para as lágrimas
(ou para o suor)
doíam doíam
cansavam as mãos, os dedos, os pés
que corriam para o sem fim da folha
para o sem fim do mundo
onde estavam todas as memórias?
queria amarrá-las em feixes de papéis
pilhas, volumes, tomos,
uma enciclopédia de si,
uma drama de si,
desciam aos dedos,
que sentiam a ânsia,
o frenesi e o êxtase passado.
lembrar para se esquecer:
esse era o início da linha
e esse o fim.
os sentimentos?
- meios.

domingo, 26 de maio de 2013

o silêncio de dentro da semente guarda o mistério,
o barulho de mais um universo surgindo,
o som de um surdo marcando os passos,
o fim do torpor, o início, o acrotério:

e, superada a dor de romper a casca dura,
impulsa a vontade do exterior a ser desbravado,
e a luz jorrando entre os grãos de terra,
dá a força para enfrentar as agruras.

o silêncio a faz brotar, contorcer-se,
esquivar-se, enraizar-se e aninhar-se,
e onde antes havia somente terra bruta,
silente, do ventre do grão, vem a vida,

frágil, minúscula, eterna:
por amor ao universo.