sábado, 24 de novembro de 2012

sagração

atravessando o teu deserto,
abaixo de teus abismos jazem olhos pretos como o sem fim do universo,
perdido ando neles como ando na luz da manhã morna de abril,
e assistindo as supernovas colapsarem e estrelas brotarem
na íris cor de breu,
penso em ser Rei de um país longinquo,
que confina com tuas espáduas,
e desce ao sul, até o início de tuas axilas,
e que tem os pelos mais finos e luzidios,
mais perfumados e a terra mais macia.
e a coroação, num momento de nudez,
seria em um dia de maio,
naqueles dias em que os jasmineiros se aviltam,
e que nossa pele freme,
e um beijo selaria o meu Domínio.
juraria defender-te dos ventos do sul,
e te amaria quando descesse o norte às nossas peles,
e nos campos de trigo te deitaria,
e como Rei, me ungirias a face com azeite de oliva,
com os dedos mais expressivos,
e com os olhos mais profundos,
olhando do fundo do meu Reino,
do qual seria eternamente servo e senhor,
me ungirias.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

I

o café esfriava na mesa e a chuva caía nos telhados da rua. entre os lábios apertados um cigarro perdido e nas mãos livros enormes e livretos, finos, de conteúdos duvidosos. passar a tarde remoendo memórias de amores póstumos tinha se tornado predileção nos últimos tempos...
flagrava-se a pensar de forma nostálgica de pessoas com as quais podia ter tido um relacionamento sério e, quiçá, existente até os dias atuais.
no entanto, logo previa o fim pois que sabia não ter paciência para pessoas; não possuía essa fina virtude nem mesmo para consigo! imagine quanto para com terceiros!
fumava e bebia o café, que tinha o gosto acentuado pela fumo. os olhinhos levemente puxados, abertos vivazmente, de uma cor marrom-clara, como que decifrava pela primeira vez parágrafos gastos da literatura mundial que jaziam guardados em caixas amontoadas pelos cantos, tal qual múmias em sarcófagos nos depósitos dos museus mundo afora... quantas? dez? uma dúzia? vinte? uma centena?
tirou um Satiricon de uma caixa, um Asno de Ouro de outra, um volume de Júlio Verne de uma terceira, Orwell de outra e assim por diante. imaginava a variedade de mundos que se escondiam naquelas páginas ocultadas em tantas caixas. quem deixara aquelas relíquias para trás, naquele apartamento recém alugado?
bem... não fazia ideia, mas era interessante explorar por dias um tesouro que não lhe pertencia...
perdido em pensamentos assim, de sobressalto, deu-se conta que batiam à porta ferozmente.
"será que era o proprietário das pequenas múmias?"
de qualquer sorte estava decidido a não as devolver sem antes pedir algumas, ao menos emprestadas. levantou-se vagarosamente, pondo um volume de filosofia antiga sobre uma coluna de livros de contos vampirescos e dirigiu-se à porta...
espiou pelo olho mágico: alguém de chapéu e com a cabeça abaixada, de modo que não conseguia ver o rosto, postava-se a sua porta. - "quem era?"