quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Somos somente humanos. Estamos suscetíveis à ira, ao ódio, à misantropia, ao egoísmo... É uma batalha diária superar nossos sentimentos pequenos com relação a coisas mínimas.
Somos humanos.
A raiva e a inveja são naturais. O que realmente é difícil é o amor.
Mas não o amor como uma palavra abstrata, simples e singular, como sentimento uno. O amor como uma amálgama de respeito, de compaixão, de alegria pela companhia, de paciência, de compreensão: é esse o mais difícil e o mais complexo dos sentimentos.
O ódio é o querer mal, o egoísmo é a exacerbação do próprio bem e assim por diante.
O amor é o bem, mas o bem composto de tantos outros “mínimos” bens. É sentir compaixão de quem sente raiva de você, é a compreensão do motivo dessa raiva, é a tentativa de ajuda, é a paciência ao tentar entender e é o respeito pela não aceitação da tua mão quando você a oferece...
Por essa ótica respeitar, compreender, compadecer-se, ter paciência é, ao cabo, sentir amor.
Amar aqueles que nos amam é um exercício simples, fácil. Aqueles outros amores demandam mais desprendimento, mais atenção.
E amar assim não deve, jamais, ser um mandamento religioso, inclusive não cabe em uma religião. Amar assim deve nascer de uma luta constante, de um combate diário contra o mal que não queremos para nós mesmos.
É o amor da razão!
Alimentar o ódio, o rancor, a mesquinhez, o egoísmo nos faz tristes, distante de amizades verdadeiras.
Ninguém acompanha pessoas pequenas. Até mesmo Maquiavel dizia que as companhias do príncipe revelavam com que sabedoria ele as escolheu, demonstrando assim o seu caráter benévolo ou malévolo.
Erguer uma muralha de egoísmo e orgulho só atrairá pessoas que vão a querer no chão.
Plantar árvores frutíferas só trará pássaros e ar puro.
O feixe de sentimentos que resulta no amor traz ar limpo pro pulmão.
Nos faz mais lúcidos de que ao final da vida não vai importar quantas pessoas fizemos chorar, desde que tenham chorado de alegria por terem nos conhecido.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A gola azul com listras brancas da camisa sob o suéter era uma moldura perfeita para aquele rosto mediterrâneo. Combinava com os tons pastéis que faziam parte do corpo do homem que sentava à mesa, a sua frente no café.
Com as mãos postas sobre a mesa, ele brincava com uma colher de chá, apertando uma das pontas, fazendo-a tilintar... Com o canto dos olhos, mirava os dedos inquietos, enquanto sua amiga, de costas para o homem, falava das últimas novidades da repartição.
"Seu café vai esfriar."
"Como?"
"É. Vai esfriar." Repetia a amiga, que não se dava conta da situação ao seu redor.
O homem mediterrâneo percebeu que era avaliado e esboçava corresponder aos olhares. Levou a mão direita à nuca e coçou, sem jeito, o cabelo. Baixou o rosto e ficou esperando um café que logo chegou.
A fascinação não era tanto física. Ou melhor, era. Mas também biológica. Imaginava qual era a ascendência desse ser tão deslocado, tão diverso dos outros todos daquele lugar. Será que pertencia a alguma descendência siciliana, maltesa?
Gostava de pensar nessas coisas e, por vezes, se perdia nesses pensamentos um tanto incabíveis. A sua frente a amiga já notava que ele divagava e perguntava a ele o que estava a pensar.
"Penso que há algum gene grego naquele homem..."
"Como assim!? Você está brincando comigo?!"
E ela iniciou a discursar sobre as absurdidades que ele sempre propunha nos momentos mais "importantes" da vida, como aquele em que discutiam o futuro profissional dela. Ela discorria veementemente sobre essas questões delicadas e ele imaginava que aqueles cabelos negros eram fruto de um gene compartilhado com Heitor, imaginava que os olhos levemente apertados pertenciam a algum ancestral etrusco...
E assim perdido em indagações, ia imaginando uma história para cada pessoa que prendia a sua atenção. Percebia que o homem mediterrâneo possuía uma boca grande, muito bonita, como um catalão...
" Querido, vou indo... Vamos?"
"Claro. Claro! Vamos para onde? Pensei em Barcelona..."

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

à espera

por que teus olhos estão ausentes do meu setembro? queria-os para me abraçarem com a luz das manhãs ainda frias, em que necessito de cobertores e cheiros de cabelos desgrenhados.
andando pelos passeios, senti o café no ar e as pessoas rindo após o almoço. te procurei e o que encontrava eram olhares sem o mesmo calor dos teus olhos.
é o mistério das maduras manhãs de setembro nessa cidade levantada à beira da água. é o vento frio com o perfume da primavera que traz lembranças de peles agrestes, de tons pastéis... são eles que me deixam saudoso.
como tuas mãos, os galhos das árvores em brotação, com verdes tão claros e reluzentes, acariciam meus cabelos ao andar por entre elas... sinto o som da rua em redor e tudo parece uma doce música. penso em haver escutado tua voz ao longe pedindo que eu te espere, ali no passeio mirando a banca de revistas.
nessa época as pessoas não percebem, mas se tornam mais suscetíveis aos sentimentos agridoces, à doce solidão da espera...
não sou eu, é o mundo.
o cais é convidativo ao abandono do acaso. caminhar lentamente, sentindo o vento frio e o sol quente traz paz e paciência.
a espera (também) nos torna sábios.