segunda-feira, 18 de abril de 2011

coração-curinga

"abre os olhos. levanta e acende a luz que preciso dizer.
me promete que não vamos nos ver mais, que é só por essa noite... sinto muito fazer você acordar agora. me olha nos olhos, e diz que é só hoje.
foi porque senti frio, foi porque eu estava precisando de um abraço. acabei vindo parar em tua cama...
sim, desde que nos conhecemos minhas mãos indicaram que era você quem eu deveria ter encontrado antes. e nosso beijo selou a procura.
meu coração sempre foi um coração-curinga. sempre achei que ele ficaria bem com qualquer pessoa. mas tenho pensado e vejo que não é mais assim... ele só ficará bem contigo, mas preciso ir.
desculpa?
as razões são minhas e não têm lógica. têm só medo. e sabe, não é de você... é só de mim mesmo. volto pelos mesmos passos que vim, você sabe onde eles me levam e por isso vai concordar em eu sair a essa hora da madrugada.
desculpa."

o sol nascia e a névoa se dissipava na cidade. a descida pela escada antiga e a jaqueta na mão que há pouco jazia no encosto da cadeira, pendurada. o corrimão polido de anos, o frio do outono, o cheiro do café passado... descia e pensava.
a vida dava voltas e terminava sempre no mesmo ponto. a primeira noite sempre a última. no canto, tímida, a lágrima e soluço engolido. a porta e a rua. fria, fria sem o abraço, sem o sentimento, sem nada. sem dor.
só a liberdade. fria. solitária esperando por ele na multidão que saía dos prédios...
não era mais o mesmo.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

assim

sabia que esses dias de outono só serviam para que a carência tomasse conta das vontades. se arrogando dona do corpo remetia-o aos lugares que pareciam familiares a amores passados, histórias futuras, ao costume das mãos.
um quê de abraço se estendia no cais e o vento leve, em beijos frios e apaixonados, incitavam a busca por beijos reais, quentes e sem pudor.
os olhares vinham e batiam contra olhos negros e profundos, que sondavam os peitos alheios. as cores da cidade entravam e invadiam a mente como sol em vitrais e o murmúrio das pessoas a tardinha desaparecia na espera interminável.
sentado, inesperadamente, em um banco antigo de uma praça havia alguém comum. nem feio, nem bonito. os pombos arrulhavam por perto e perdido o olhar também parecia impelido pelo outono à procura de uma pessoa, homem ou mulher - não sabia ao certo. não parecia rico, mas não parecia pobre.
sentou-se próximo e olhava-o. as pernas abertas, com os antebraços apoiados nas coxas e uma mochila nas costas mirava vagamente os prédios até que, cansados de circular ao redor, pousaram a sua frente: nele, no novo elemente do largo, sentado no banco diametralmente oposto.
os cabelos cacheados, levemente dourados, em profusão emolduravam um rosto de tez clara e feições levemente germânicas. olhando uma vez e outra e outra, começou a esboçar um sorriso, tímido.
passavam músicos tocando por ali e ia anoitecendo e esfriando. depois de minutos de sorrisos trocados, o primeiro levantou e caminhou reto, em frente. sentaria no banco e ao menos o telefone do outro pegaria. no meio do caminho viu que uma menina chegou enquanto pessoas passavam e se sentava ao lado do menino e que estava extremamente junta a ele... e que estavam esboçando um beijo. o menino tinha ainda as pupilas voltadas para ele e a boca nela.
despertou uma indignação e uma inércia. parado no meio da praça ele viu ambos saírem de mãos. foi até o banco em que o menino estava sentado e encontrou um papel com um número escrito: "me liga"...
guardou em seu bolso lateral da calça.