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terça-feira, 28 de agosto de 2012

mar doce

Caminhando por uma rua estreita, apertada entre o casario antigo, com gerânios nas janelas, desembocou em um mar. A cintilação da água ofuscava a vista e o obrigou a fechar a mão em pala sobre os olhos para mirar o outro lado da baía. Barcos flutuavam com as velas cheias do vento sul, doce, com perfume de laranjas-do-céu. Havia muito decidiu viver nesses lugares velhos, carregados de histórias fantásticas, de marujos-heróis, de sereias aladas do canto suave e garras perigosas.
No entanto, a decisão não foi tomada bruscamente. Houve todo um acordo, ainda que tácito, mas houve, com a pessoa que queria infinitamente. Isso foi aos vinte e poucos anos... o tempo já o fizera esquecer exatamente quando foi, porém o motivo ainda era vívido na sua memória.
E como as histórias das sereias que habitavam aquelas baías, foi pego pela voz doce da pessoa amada. Lembra de cada carícia como o toque de um deus, cada beijo com um sabor inexplicável, olhares indescritíveis. Como falar de um ser praticamente sobre-humano? Ou melhor, do sentimento de estar em contato com o irreal?
Reputava tudo ao lugar. Aquela tepidez afrouxava a razão dos homens, fazia a lucidez se esfumar.
Um dia, à beira do mar, com um céu azul por pálio, avistou ao longe criaturas que estavam em uma ilhota próxima à costa. Eram sereias, provavelmente, tamanha perfeição. Vendo-o na margem, vieram até ele.
Era um grupo de sete: algumas mulheres e homens. Estavam todos nus e pareciam, ao olhá-lo, que nunca tinham visto um homem, ou antes, alguém com roupas, tamanha inocência aparentavam com a própria nudez.
Sentado em uma grande pedra, à beira do mar, o homem era examinado por aquelas criaturas. Um deles se interessou especialmente pelo "civilizado". E começou a tentar despí-lo. Houve uma leve carícia no rosto, e na barba escura, a mão se demorou... e, iniciando pela jaqueta, foi sendo despido. Um torpor permissionário percorreu a mente do homem, que deixava, apesar da vergonha, se despir.
Os outros olhavam, próximos. O homem levantou os braços para que o outro tirasse sua camiseta. Desaboou as calças, tirou as botas e a roupa de baixo. Estava nu, na praia, juntamente com o outro. E em um ímpeto animalesco a criatura o abraçou demoradamente, sussurrando coisas em seu ouvido.
Um calor profano tomou conta dele e sentia o rosto enrubescer. Sentia a carne tremer de prazer com o abraço. A pele quente e macia e as batidas do coração o faziam desejar o beijo do outro mais que a própria existência. Era um querer que sufocava, que o impelia a morder, a querer estar com o outro dentro de si, guardado, para levá-lo a todo lugar que fosse. Os cabelos, de uma cor escura de loiro, nasciam como ondas de um mar acima de uma efígie austera, porém sedutora.
Como fugir? Como correr? Como negar-se?
Depois do abraço, infinito no tempo, ao desvencilhar-se a criatura o pegou por uma mão e trouxe-o até a água. Levaram-no para a ilhota onde passou um tempo que não sabe medir a ouvir a voz do amado. Não era necessário mais que isso para que se instalasse a paz, para que desejasse a eternidade ali. Existiam somente dias, haviam somente perfumes delicados, não haviam defeitos, a grama era verde e macia o suficiente para o prazer de ambos.
Havia ficado para trás todas as cidades, todos os arranha-céus, todas as tvs, toda  a trajetória errática que levou até o momento.
Ao acordar, certa vez, percebeu estar na praia. Não lembrava como tinha chegado ali. Estava com sua roupa gasta e pessoas o observavam ao redor. Levantou-se e viu o céu cinza. Onde estava? Era a ilha? Mirando a frente, o mar. Virou-se e viu uma cidade, a de antes de ser raptado pelo seu amor.
Não compreendia o que aconteceu. Pediu licença e sentou-se em uma grande pedra.
O que havia acontecido? A ilhota pairava em uma nuvem baixa, lá na frente. Estava frio e seu corpo sentia saudades. Virou e caminhou em direção á cidade, sob o olhar dos curiosos. Pensava no ocorrido e sentia saudades da sua nudez, da sua inocência, do corpo do outro e do calor emanado de ambos quando juntos.
Alcançada a primeira rua, virou-se e olhou o mar. Cinza e carrancudo, balançava fortemente os barcos de uma marina distante. Uma lágrima brotou e escorreu até o canto do lábio: não era salgada; era doce como as laranjas da ilha. Um sinal de que voltaria, bastava esperar.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

andava sentindo o som quadrado do mundo ao redor. e tudo penetrava tão fundo na carne: o medo, a alegria, a música, a luz, as pessoas... e era uma dor tão profunda e tão boa que se deixava morrer, como se estivesse se dissolvendo em um espaço atemporal.
a cabeça girando não era em cidade alguma. não era em dia nem em noite. apenas esvaía a matéria.
o amor, etéreo, se mostrava feroz e despedaçava a carne. as mordidas se estendiam pelos dedos, percorriam os peitos e os frêmitos sonoros, agudos, relampejavam pelo ar frio de um lugar duro.
a boca enchia-se de saliva e os odores entravam pelas roupas que se desprendiam rasgadas do corpo. era estranha a sinfônia de movimentos e era insabida a alegria do segundo próximo...
sabia onde tudo resultaria. a dor. a alegria. o prazer e o beijo. a cama sozinha dizia do frio que passou.
as alucinações sempre eram reais contigo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Diálogos da madrugada - I

[...]
A - q faço?
B - manda à puta que pariu, ueh!
[...]

domingo, 31 de outubro de 2010

O caos no trânsito

só havia fumaça na cidade naqueles dias quentes... o asfalto esquentava os pés e subia uma onda de calor do chão que fazia todos ficaram tontos, cansados e fedorentos (etc).
sem romantismos, sem idealizações: o capitalismo corria pelas avenidas.
sentados em bancos de paradas de ônibus sujas olhavam as pessoas para cartazes colados de uma Nova Igreja Qualquer que anunciavam o fim dos tempos (como se fosse novidade!) e comentavam sobre o 2012 e seus efeitos e outros lembravam que ainda não haviam pago o dízimo ao bispo e por isso cogitavam em ir para o inferno caso o fim realmente chegasse (como predito nos cartazes...) e outros nem se davam conta da existência daquelas coisas.
entre os últimos havia um grupo de dissidentes partidários que discutiam acaloradamente sobre as tendências da política na Bulgária e os reflexos na econômia do Egito. afirmavam piamente que se a ultra-direita assumisse naquele país seria um colapso para as suas relações com os países mulçumanos... por fim, tergiversavam sobre os salgadinhos que comeram na festa de aniversário de dois aninhos da filha do companheiro Zé ocorrida na noite anterior...
nesse ínterim, passa um carro-de-som-quase-trio-elétrico anunciando um evento cultural. em cima estavam pessoas (?) vestidas (ou travestidas?) no melhor estilo Felicia (The Adventures of Priscilla...). anunciava o carro um evento de cunho (ui) queer... enfim: música característica (voz também), roupa chamativa, causando horrores. resultado: toda a parada de ônibus literalmente parou: observavam... também nesse ínterim o semáforo fechou. e o carro-de-som-quase-trio-elétrico, para a felicidade de crentes em geral, ficou exatamente nas fuças dos últimos, separados desses apenas por um estreito corredor de coletivos urbanos. a rua não era muito larga, como típico daquela região da cidade. e de um andar de um prédio próximo que fica um pouco acima da parada de ônibus, que alastrava sua sombra até o prédio do outro lado da rua, voou um objeto em direção a uma das felícias, alegre em seu traje cereja metálico...
foi o estopim para o bafão. o público da parada, antes disperso entre cartazes do fim do mundo, os salgadinhos da festa e a política búlgaro-egípcia uniu-se contra o 'inimigo' comum. crentes falavam que realmente Jesus viria e levaria todos do carro, inclusive o motorista, para o inferno. os políticos gritavam que gays eram contra o Estado e os cinéfilos berravam 'veaaaados'. realmente, o motorista achava que estava em um inferno: com a cidade quente e uma turba berrando contra ele só poderia ter se aberto o sétimo selo do Apocalipse! e nesses segundos de tensão, arrancou o carro de modo que as felícias se desequilibraram: uma que estava entoando xingamentos na beirada caiu...
por alguns metros, do alto do carro ao chão, pareceu um pequeno e leve filhote de gralha azul, em seus trajes azuis-marinho (metálico, por óbvio) dando seu primeiro voo rasante ao sair do ninho. claro que ela já havia alçado voos bem mais altos (compreendem?).
caiu. caiu e ficou por instantes ali. jogada no asfalto quente. o público da calçada fez um coro e os xingamentos pararam. o semáforo abriu e o carro foi com suas irmãs gritanto desesperadamente para o motorista parar. no turbilhão de sons da cidade, ouvia-se as vozes agudas distanciando-se em abandono à felícia azul-marinho. pessoas da calçada acorreram e o tráfego foi parado por instantes (mais um pequenos caos dentro da cidade que era o caos em si). ela dolorida sentou-se em um banco da parada. não havia quebrado nada, pelo visto, e chorava um pouco. deram-lhe um dinheiro e aconselharam ir ao hospital mais próximo.
o ônibus veio em seguida, parou. as pessoas entraram e ela junto, desconsolada, subiu, pagou a passagem e sentou ('na janela').
apesar de não ter quebrado aparentemente nada, não custava ir ao hospital. ela particularmente adorava médicos (são sempre uns bofes de arrazar)...